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domingo, 12 de outubro de 2014

Perida #10

Olhei para Joseph como uma idiota, tentando entender o pé de alface e sua conotação. Então, uma gargalhada histérica explodiu de minha boca, não pude evitar. Pé de alface como papel higiênico! Sem agrotóxicos ainda por cima! Ao menos eram lavadas primeiro? Os ecologistas iriam adorar essa ideia. Totalmente biodegradável!

Joe me observou, os olhos assustados. Deduzi que ele pensava que eu era louca. E eu o apoiava incondicionalmente neste caso.

Pés de alface! 

— O que é tão engraçado? — perguntou.
— Nada. — respondi ofegante, por culpa do riso incontrolável. Lágrimas surgiram no canto dos meus olhos. — É só que... O pé de alface... — mais riso histérico. — Desculpe, só que é tão...
— Se preferir, pode usar os sabugos. — disse Joseph, o rosto sério. Parei de rir imediatamente.
— Alface tá bom. — tentei me recompor. — Alface tá muito bom. Obrigada,Joseph.
— Você precisa usar a casinha ou apenas queria saber sua localização? — ele perguntou, constrangido.

Pensei nisso por um segundo. Em algum momento eu teria que entrar ali, mas iria adiar o quanto pudesse! Disso eu tinha certeza.

— Só queria saber onde fica, podemos voltar. Era só pra saber se tinha um banheiro.

Não me senti melhor sabendo da existência da casinha. E eu que pensei que não poderia sobreviver sem computador! Eu tinha a incômoda sensação de que banheiro seria apenas uma das muitas coisas que eu iria sentir falta. Começamos a voltar para o casarão pelo caminho contrário ao que viemos. Olhei para o horizonte, vi que já começava anoitecer. Só então percebi que o lugar era bonito.

Realmente bonito! 

O gramado se estendia até o final da pequena colina onde estava a casa imensa com suas dezenas de janelas. Contudo, ela combinava perfeitamente com a paisagem: um jardim bem cuidado enfeitava a entrada, o colorido das flores enchia de vida a casa pálida cor de creme. A luz rosada do entardecer deixou o quadro ainda mais belo.
— Será que me permite fazer uma pergunta? — Joseph inquiriu casualmente.
— Claro.
— Seus sapatos são muito interessantes. — comentou, observando os meus pés.
Fiquei esperando a pergunta, mas ele não continuou.
— E? — tentei incentivá-lo.
— Eu nunca vi nada como eles. Não parecem sapatos femininos, tampouco masculinos. Na verdade, não se parecem com nada que eu já tenha visto. — eu tinha certeza disso! — Só estava pensando que tipos de sapatos seriam.
— Você está certo. Não são femininos, nem masculinos. —

Joseph era esperto! Fiquei surpresa com seu raciocínio rápido.

— São unissex, servem para os dois gêneros. Chamam-se tênis. São usados para a prática de esportes, mas a maioria das pessoas os incluiu no guarda-roupa por serem tão confortáveis e duráveis. Acho que não existe um jovem que não tenha um par de tênis em casa.
— Bem... — ele disse, com um meio sorriso no rosto. Meu estômago se contorceu levemente. — Existe
sim. Eu não tenho nenhum.

Eu ri também.

— Você ficaria de queixo caído se visse as coisas que existem onde eu moro. — se ele achava um simples par de tênis impressionante, o que não pensaria sobre a inovação das inovações chamada papel higiênico!
— Acho que posso acreditar nisso. Nunca, em meus vinte e cinco anos, conheci alguém tão diferente quanto a senhorita.
— Você também é muito estranho, sabia? — ainda mais pra quem só tinha vinte e cinco.

Joseph parecia mais velho. Não apenas na aparência, mas pelo modo de falar também. Talvez parecesse mais velho por causa da altura. Ian era muito grande. Ainda,mais alto que o Logan, só que menos bombado e, estranhamente, não era desengonçado. Eu sabia, por experiência, que pessoas grandes sempre tinham problemas de coordenação motora. E, apesar de ser uns bons vinte centímetros mais alto que eu, Joe não parecia ser tão atrapalhado. Ao contrário, cada movimento seu era tão elegante que me flagrei algumas vezes observando a forma como ele caminhava com extrema segurança, os ombros largos sempre eretos, a forma como seus lábios se moviam quando falava...

— Planeja me contar sobre ele, senhorita Demetria? Estou realmente curioso. Deve ficar muito distante daqui, pois nunca ouvi falar de um lugar onde mulheres usam roupas... Pequenas e apertadas ou sobre os tênis. — os olhos, cravados nos meus, me compeliam a falar, E por alguma razão que eu não entendia, eu queria contar a ele.

Joseph estava sendo tão gentil comigo! Mas o que eu diria? É que fica meio longe. Duzentos anos longe! Se você, por acaso, encontrar uma máquina do tempo perdida por aí, me avisa que eu te levo até o século XXI. A gente pode tomar um chope e depois cair na night! 
Claro que eu podia dizer isso a ele e, com toda certeza Joseph não chamaria o médico outra vez e nem pediria a ele para me jogar no manicômio. Claro que ele entenderia!

— Um dia eu te conto. Quando eu souber o que está acontecendo e encontrar a forma de voltar, te explicarei tudo. Prometo! Quem sabe você compreende minhas esquisitices!
— Promete? — o rosto sério, os olhos brilhavam faíscas prateadas.
— Prometo. Palavra de escoteira. — ele franziu o cenho. Mas nem os escoteiros? Valeu, Deus! — resmunguei carrancuda.

Joseph me encarou como seu eu fosse uma alienígena.

— Eu prometo. — eu disse exasperada.
Ele sorriu mais uma vez. Pensei com amargura que era uma pena as pessoas de hoje não serem mais assim, não sorrirem com tanta facilidade, como fazia Joe. Se bem que, pelo menos naquele momento, Joe era as pessoas de hoje.

Voltamos para a casa e tentei memorizar o caminho pelos corredores da mansão — para o caso de precisar da casinha com certa urgência. A casa era bonita, antiga e imponente. De fora, ocupava todo o campo de visão. Do lado de dentro, cada parede com um quadro ou cada móvel tão bem trabalhado prendia minha atenção. Joseph foi se limpar para o jantar e imaginei que isso significasse tomar banho. Então, não fui com ele. Fiquei na sala, observando sua rica decoração estilo vitoriano — quem imaginava que eu fosse conhecê-la em seus primórdios? — tentando memorizar cada padrão da madeira escura da mesa no canto da sala, cada linha do tecido estampado e grosso do sofá com braços de madeira, cada detalhe das cortinas pesadas e encorpadas das janelas. Queria me lembrar de tudo quando eu voltasse pra casa. O que conteceria em breve — eu esperava.
Eu queria tomar um banho também e me livrar daquele vestido quente que começava a pinicar minha pele. O problema é que eu não queria meter Joseph em confusão e eu só tinha uma saia curta e uma regata para vestir. Talvez, depois do jantar, eu pudesse me trancar no quarto e, finalmente, meditar sobre aquele dia confuso. Foi nesse momento que Teodora entrou na sala, usando um vestido verde claro, justo no tronco e bufante na saia. Eu tive certeza que ela usava todas aquelas coisas quê a governanta me mandou vestir quando me entregou as roupas. E, pelo espaço que sua saia ocupava, ela vestia a gaiola maluca.

— Senhorita Demetria, — disse ela, com muito entusiasmo, um pouco exagerado até.— Como está se sentindo esta noite?

Eu tinha falado com a garota há apenas uma hora atrás, por que ela agia como se não me visse há uma semana? 
— Eu tô legal. E você, como vai? — também entrei na brincadeira.
— Muito feliz em revê-la. — ela sorriu afetada.
Oh-oh! 

Sabe quando você está na cadeira do dentista com a boca toda inchada e não aguenta mais de dor por culpa de um dente inflamado e, depois de examinar, seu dentista diz com uma careta: “É canal. Mas não se preocupe. Não vai doer nadinha!” e você instantaneamente sabe que o nadinha vai ser terrível, cruel e insuportavelmente doloroso? Foi exatamente assim que me senti quando Teodora sorriu pra mim.

— Você parece estar bem melhor. Creio que o passeio pela casa na companhia do Senhor Clarke lhe fez
muito bem.

Oh! Então era sobre o Senhor Clarke! 

— Ele mostrou toda a propriedade? — ela continuou. — Deve tê-la impressionado. É uma das mais belas da vizinhança. A família Clarke tem muito prestigio senhorita Demetria. Até o duque de Bragança os visita com frequência.  Tentei responder a ela que sim, eu tinha gostado da casa. E duque de que? Mas ela não me deu chance. Apenas continuou com seu monólogo.

— Apesar de não ter título de nobreza, o Senhor Clarke é um dos homens mais respeitados de nossa sociedade. Quando seu falecido pai os deixou, há três invernos, o Senhor Clarke assumiu todos os deveres que lhe foram deixados. Inclusive como tutor de Elisa, que ainda era muito jovem. Ah! Minha querida Elisa! Ela é mesmo uma jovem encantadora, não acha senhorita Demetria?

— Eu...
— E ela tem tantos admiradores, mas o Senhor Clarke os mantém à distância. Quer esperar até que ela atinja a maioridade para poder receber seus pretendentes. Ele é um irmão muito cuidadoso! Existem muitos espertalhões farristas que pretendem fazer fortuna através de bons casamentos. — uma de suas sobrancelhas arqueou sugestivamente.
Eu entendi mal ou ela sugeriu que eu estava atrás de um marido rico? E que esse marido seria Joe? 
— Mas o Senhor Clarke é muito prudente. Claro que é capaz de notar as más intenções em pessoas de má índole. — continuou.

A garota estava começando a me dar nos nervos!

— Sabia que ele está procurando uma esposa? Oh! Sim, ele deve se casar muito em breve. É bom para um rapaz como ele, que tem uma irmã caçula e solteira sob sua responsabilidade, ter uma esposa. Há muitas jovens que têm esperanças de terem a honra de se tornarem a nova Senhora Clarke. Mas me parece que ele não demonstra ter o mesmo cuidado para consigo mesmo que têm para com a irmã.
Agora já deu!
— Escuta aqui, ô coisinha...
— Senhorita Demetria, estava à sua procura. — Elisa entrou na sala, me impedindo de dizer uma ou duas coisas para aquela garota venenosa, — Como está se sentindo?

Bem as pessoas do século dezenove só sabiam perguntar isso?
Respirei fundo para me acalmar. Aquela ruiva sardenta e sem graça realmente me tirou do sério. E eu já estava no limite!

— Espero que esteja com fome, o jantar já será servido. Vamos apenas esperar por Joseph
— Claro. — respondi. Então ela podia chamá-lo pelo primeiro nome. Claro, estúpida, eles são irmãos!
— Gostaria de tomar um licor de ameixa, senhorita Demetria? — perguntou a menina (de uns quinze ou dezesseis anos) de cabelos negros, assim como os de seu irmão, os olhos, porém, eram de um azul intenso que lembravam safiras. Eram lindos! Não sem graça como os meus olhos marrons cor de lama.
— Não, obrigada, Elisa. — notei com certo espanto que ainda não havia comido nada desde que acordara. Tudo que ingeri foi o vinho que Joe me serviu. Percebi que estava faminta. — Talvez depois do jantar.
Apesar dos cabelos negros, havia algo de angelical no rosto de Elisa. Talvez porque ainda fosse tão menina, mas dela eu gostei. Assim como seu irmão, Elisa parecia sorrir sempre. Exatamente como fazia agora.
— Depois, então.
— Boa noite, senhoritas, — saudou Joe ao entrar na sala. Vestido com um casaco preto e calças cinza, camisa, colete, gravata, as mesmas botas que usou durante o dia e os cabelos negros ainda úmidos, ele parecia um daqueles príncipes de contos de fadas. Seria muito fácil para ele arrumar uma esposa, pensei. Lindo, bem humorado, atencioso, gentil, um sorriso de tirar o fôlego... Que garota não se interessaria? Quer dizer, que garota daquele século não se interessaria? Ele não fazia meu tipo.
— Boa noite. — disseram juntas Elisa e Teodora, ao mesmo tempo em que eu disse:
— Oi!

Elisa e Joe sorriram Teodora, não. Mas que cabrinha intragável! Falava pelos cotovelos, tirava conclusões precipitadas, fazia fofoca da vida dos amigos — apesar de, aparentemente, ter a intenção de ser mais que isso — e ainda ficava de cara amarrada. Definitivamente, meu santo não deu com o dela!

—Vamos jantar? Estou faminto, o dia de hoje foi um pouco longo. — disse Joe, apressadamente.
Fiquei incomodada por ele ter dito aquilo. Não que eu quisesse que minha presença o deixasse saltitante — eu não queria! —, mas também não queria causar transtornos. Causar mais transtornos.
— Ele acabou de chegar de viagem, senhorita Demetria. — me explicou Elisa. Talvez tenha notado meu desconforto. — Uma viagem de muitos quilômetros. Você saiu da fazenda Esperança ontem à noite, Joe? — ela perguntou ao irmão.
— Durante a madrugada. Cavalguei sem parar até chegar aqui. — Joe me encarou. — Sem contar, é claro, o resgate da senhorita Demetria. Foi a única vez que desci do cavalo. Estou muito cansado. — um sorriso torto surgiu em seu rosto.

Eu desviei os olhos, envergonhada. Quando Joe me encontrou naquela manhã, eu estava bastante incoerente. E pensei que talvez ainda pudesse estar, pra dizer a verdade.

— Então, vamos, o cheiro que vem da cozinha está me deixando louco! — ele disse, esticando o braço para que fossemos na frente. Gostei da sua última sentença. Desde que cheguei ali, foi a primeira que ouvi que facilmente poderia ser ouvida em meu mundo.
— Vamos. — concordei e segui as garotas com Joe na minha cola.

Ao chegarmos à sala de jantar, dei de cara com uma mesa gigante. Contei doze cadeiras. Eles deviam receber muitos convidados.Sentei-me na cadeira ao lado de Elisa, jOE na ponta e Teodora, claro, do outro lado. Fiquei surpresa ao ver que os pratos eram mesmo pratos de porcelana. Não sei bem o que esperava, eu não tinha ideia do que já havia sido inventado em 1830. De repente, os pratos poderiam ser feitos de pedra e os copos de osso... Mas, aparentemente, o aparelho de jantar e os talheres já faziam parte da civilização naquele ano. Um grande castiçal sobre a mesa iluminava o ambiente com a ajuda de mais dois menores sobre o aparado.Então, dois empregados que eu não conhecia ainda começaram a trazer as bandejas de comida. O cheiro delicioso me atingiu como um soco. Meu estômago se empertigou a visão de tanta fartura. Reconheci a tigela com sopa e a travessa de batatas. Havia um tipo de carne assada, mas não pude identificar de qual espécie era. Decidi que era da espécie carne e que eu estava faminta o bastante para comer qualquer coisa que fosse. Os empregados nos serviram exatamente como garçons de restaurante, e me atirei na comida assim que meu prato foi colocado diante de mim. Quando o calor da sopa atingiu meu estômago, pensei que iria chorar. Tudo absolutamente delicioso, fosse o que fosse. Assim que aplaquei um pouco a fome, um pouco, eu ainda estava faminta —, pude prestar atenção aos outros. Não havia notado que eu tinha uma pequena plateia me observando. Incluindo os dois empregados.

— O que foi? — perguntei depois de engolir a comida. Eu sabia me portar à mesa. Não estava agindo como uma selvagem nem nada disso. O que eles tanto olhavam? Levei o guardanapo de linho à boca para me certificar que não tinha nada espalhado em meu rosto.
— Que apetite a senhorita tem! — Teodora observou um sorriso irônico nos lábios finos.
— Eu tô varada de fome! Não comi nada o dia todo. Perdoem-me se me portei mal, mas é que está tudo tão gostoso! — Eu disse, colocando outra batata na boca.

Os irmãos riram. 

— Nunca vi tal coisa! — exclamou Teodora. — Uma jovem que tem o apetite de um homenzarrão! — um risinho estridente escapou de seus lábios.
— Eu acho divertido. — disse Elisa. — Como pode comer tanto e ser tão magra?
— Comer feito um homem não é divertido, Elisa. É bizarro. Olhe para isso! — Teodora apontou para meu prato.
Engoli minha comida, tomei um gole de água.
— Acho que você nunca trabalhou na vida, Teodora. — respondi secamente.
— Trabalhar, eu? — o espanto em seu rosto não me surpreendeu.
— Se tivesse trabalhado, saberia que é difícil se manter em pé apenas provando a comida. Eu trabalho muito, das oito às seis, durante todos os dias da semana. Muitas vezes, deixo de almoçar para dar conta de toda papelada empilhada na minha mesa. Então, quando tenho a oportunidade de comer, e ainda mais uma comida tão boa quanto esta, eu como! — terminei, pegando um pouco mais da carne assada. Talvez fosse carneiro assado.

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Oi Gente,desculpas a demora,eu meio que esperava os coments aumentarem,como não rolou postei,enfim,espero que gostem, o capitulo ta muito longo pra recompensar,um grande beijo,bom domingo.
Nath :3

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